O Município, a
cidade e os cidadãos

Todas as pessoas que vivem em um
município e na cidade são cidadãos? Não é bem assim. Na verdade, todos
têm direito ao município e à cidade e têm direito de se
assumirem como cidadãos. Mas, na prática, da maneira como as modernas cidades
crescem e se desenvolvem, o que ocorre é uma urbanização desurbanizada.
Como os municípios e as cidades são
construídos como um produto de consumo, eles acabam ficando fora do alcance dos
seus consumidores potenciais. Porque para consumir no município e
na cidade é preciso ter poder aquisitivo, o que exclui dos benefícios
principalmente os urbanos e de muita coisa boa da vida a maioria da população.
Direito à cidade quer dizer direito
à vida urbana, à habitação, à dignidade. É pensar a cidade
como um espaço de usufruto do cotidiano, como um lugar de encontro e não de
desencontro.
Hoje, os habitantes, tanto das pequenas
cidades, como das grandes metrópoles brasileiras estão sendo bombardeados pelas
promessas dos seus candidatos a prefeito. Nos seus discursos estão contidas
propostas sobre como as cidades deveriam ser governadas, de acordo com os
diferentes partidos. (Se é que podemos acreditar nisso.) Nesse quadro, em que
aparecem vários modelos de gestão da cidade, a questão do direito à cidade se
torna provocativa tanto para os que ainda se permitem sonhar quanto para os
descrentes.
Ao falarmos do direito à cidade,
imediatamente nos vem à mente a necessidade de transformar a enorme tragédia
urbana brasileira. Os novos tempos terão de estar povoados de alternativas, de
muita imaginação, capazes de permitir concretizar uma realidade muito diferente
da atual.
Hoje, os nossos municípios e as nossas
cidades são o reflexo do abuso do poder autoritário e do capital monopolista,
com liberdade franqueada para a especulação, para a ação privada dos grandes
negócios.
Até agora, a administração local não
teve nem meios financeiros nem vontade política para abordar, efetivamente, os
problemas da cidade. Além disso, não existe um movimento social urbano forte e
organizado que se oponha de forma mais contundente às políticas existentes.
Nas nossas cidades, assim como na
maioria das cidades capitalistas, convivem vários interesses conflitantes e,
para cada um deles, a cidade assume um significado diferente. Há os interesses
dos proprietários de terras, dos construtores, dos banqueiros e dos
industriais, para os quais a cidade é, basicamente, um negócio. E há os
cidadãos, para os quais a cidade é o lugar do habitat e o
lugar de habitar.

Aqueles que administram a cidade e que
têm poder de intervir nela — os que estão na máquina do Estado —, na maioria
das suas ações, têm demonstrado ter uma relação muito tênue com aquilo que a
cidade significa para o habitante/usuário, transformando-o frequentemente em
cidadão/vítima.
Não são poucos os casos em que a
imaginação e a espontaneidade da população conseguem superar e transformar o
ambiente hostil planejado pelos "especialistas". Esse é o caso dos
conjuntos habitacionais e de muitas praças e áreas de lazer.
O direito à cidade representa acima de
tudo a possibilidade de transformar o nosso cotidiano, de forma que cada
habitante possa de fato habitar e participar plenamente do espaço onde vive.
As nossas cidades de hoje não são fruto
do acaso, mas produto de uma história concreta, de concentração de poder
econômico e político nas mãos de alguns e de segregação e desigualdade para a
grande maioria.
Durante anos, vivemos sob o fogo
cruzado das concepções de eficiência, racionalidade e rentabilidade. Sempre foi
dito à população como deveria morar, e ela raras vezes teve
oportunidade de dizer como gostaria de morar.
É preciso inverter essa lógica. Contra
a lógica da "ordem", a lógica da sobrevivência. Se existem terrenos
desocupados, à espera de grandes lucros, é inevitável que eles sejam invadidos
por quem precisa morar. E a população cada vez mais vai percebendo que através
da ação direta expressa mais convincentemente as suas prioridades.
À medida que o processo político se
torna mais aberto e democrático, com eleições diretas em todos os níveis, é
possível pensar que a solução progressiva de muitos dos chamados problemas
urbanos comece a ser encaminhada. Mas isso não basta para garantir uma política
urbana e uma gestão municipal democrática e preocupada com o interesse
coletivo. É necessário, além disso, democratizar a gestão administrativa,
estabelecer canais de participação, diminuindo a enorme distância existente
entre administração e população. Com isso será possível contrapor-se à
corrupção, ao clientelismo e à ditadura secreta dos interesses privados
anti-sociais.
Assim é importante que as instituições
do Estado sejam mais representativas e descentralizadas, multiplicando as
formas de participação e controle e permitindo uma articulação da democracia de
base com a democracia representativa.
Portanto, falar em direito à cidade
implica também ter um movimento social urbano forte e organizado capaz de
questionar e contrapor-se à forma em que estão organizadas as relações de poder
na cidade.
Não devemos esquecer, entretanto, que
na cidade convivem diversos interesses, demandas e soluções. Mas, então, de que
direito estamos falando? Para os mais pobres e excluídos, ou seja, para pelo
menos 80% da população das cidades de Paraipaba e 60% de Fortaleza, certamente,
muito mais nas cidades nordestinas, falamos do direito à moradia, à
alimentação, à saúde, à educação, ao melhor transporte público, questões que
vão além de quaisquer outras demandas das classes médias, como mais áreas
verdes, menos poluição — e uma questão que afeta a todas indiscriminadamente: a
violência urbana.
Direito à cidade, democratização ao
poder local e participação popular, tornam-se então um denominador comum. São
expressão correta de uma vontade coletiva dos cidadãos, a partir da expressão
territorial das suas necessidades e vontades.
No próximo número enfocaremos como: Ser
Cidadão. Mas como?
ANUNCIANTES:
Estamos lançando nossa coluna semanal. Esperamos que tenha uma boa leitura e que possamos entender por que passa nossos municípios.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluir